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CARTA DO AUTOR

Para encontrar as histórias dessas mulheres nós não fomos a abrigos especializados no atendimento de mulheres que foram vítimas de violência, fizemos uma pesquisa aprofundada e tivemos a ajuda de alguns amigos para encontrar as histórias que compõem o site Elas. Não é possível entrar em muitos detalhes pois prezamos pela segurança e pelo anonimato dessas mulheres que confiaram em nós para dividir com vocês suas histórias.

 

A história deste site não acabará neste projeto, pretendemos estender esse material para a criação de um aplicativo que possa ser uma ferramenta de denúncia para as mulheres de Fortaleza. Essa aplicação ainda está na fase de estudos, estamos buscando parcerias para conseguir tirar essa ideia do papel. O importante é tentar a todo custo oferecer opções de denúncia para estas mulheres.

 

JOANA

 

Esse foi o primeiro relato que colhi, e um dos mais fortes que tive a oportunidade de ouvir. Fui até o local de trabalho dela, estava um pouco trêmula, porque sabia alguns detalhes sobre a história que ela iria me relatar, mas não hesitei fui em sua direção. Ela estava com um rosto amigável, não parecia que já tinha vivido em uma situação de terror. Nos cumprimentamos e seguimos para uma salinha nos fundos do seu local de trabalho, onde tinha uma mesa, algumas cadeiras e um ar condicionado barulhento.

 

Ali naquele espaço, estava Joana e dois completos estranhos. Quando aquela mulher começou a contar a sua história, o som do ar condicionado, que antes era ensurdecedor, foi ficando em segundo plano. Ao relatar a violência sofrida, Joana, não esboçava reação, parecia que ela ligará o piloto automático e naquele momento não permitia que as suas emoções ficassem de forma transparente. Talvez essa tenha sido a postura que a vítima adotou ao longo das agressões que sofria, passiva, sem movimentos bruscos e sem espontaneidade de emoções.

 

Quando relatava que aos 12 anos tinha ido morar com o seu agressor, passava a ideia de ser algo corriqueiro na vida dela, contava com naturalidade o fato de uma menina menor de idade ir viver maritalmente com um homem de 20. Em alguns momentos a pergunta tinha que ser feita mais de uma vez para alcançar uma resposta com o máximo de detalhes possível. Para alguns questionamentos a vítima apertava os olhos e encarava o nada, julgo que fosse uma tentativa de puxar na memória o terror vivido.

 

Quando fui ao encontro de Joana estava preparada para enxugar lágrimas, estava munida de lenços para oferecer, mas o que eu encontrei foi uma mulher que, ao falar sobre o trauma, estava com suas emoções adormecidas. Antes de relatar a sua história, Joana estava sorridente e com uma recepção acolhedora, assim que sentou na cadeira e começou a contar os fatos o seu semblante mudou drasticamente. Ao final da entrevista, mais uma vez ela estava com o rosto caloroso e amigável, foi algo instantâneo, por assim dizer.

 

CAMILA

 

A história de camila foi um desafio para nós. Sempre surgiam desencontros, e muitas conversas via Whatsapp, no final o relato foi feito via email. Enviamos perguntas pertinentes e pedimos o máximo de detalhes possível

 

Ao ler as respostas da personagem minhas pernas tremeram de tal forma que não consegui finalizar a leitura naquele momento, fechei o email e recuperei as forças. Ao ler os relatos de Camila, fechava os meus olhos e conseguia projetar a minha mente para aquela situação, a riqueza de detalhes proporcionou isso. A cada linha que passava, conseguia ouvir a voz dela me contando o que havia acontecido, suas reações.

 

Em uma conversa particular com a personagem para dar o retorno do email recebido, ela disse que aquela foi a última etapa do trauma que viveu. Para Camila escrever sobre os fatos era a última etapa da sua experiência. A história de Camila foi importante para a construção desse site porque pôde mostrar que nem sempre a família está do lado da vítima. Esse relato mostrou que as mulheres, ainda nos dias atuais, são apontadas como culpadas mesmo quando sofrem violências brutais.

 

No caso de Camila, seu agressor era seu irmão mais velho que também era policial militar, nenhum desses títulos fez o criminoso recuar e pedir perdão a ela. Ao final do relato é possível que, como eu, você leitor, tenha ficado com a amargura da impunidade mas não culpe Camila. Ela fez o melhor a situação lhe permitiu.

 

RAQUEL

 

Para começar a falar sobre o relato de Raquel, é necessário dizer que quando fizemos a entrevista com ela, o seu relacionamento abusivo tinha chegado ao fim uma semana antes. Uma semana antes ela ainda estava convivendo com o agressor. Mas quando foi convidada a participar do projeto ela não hesitou, o convite foi feito quando Raquel ainda estava envolvida com ele.

 

Chegando no dia da entrevista procuramos uma sala que oferecesse o mínimo da privacidade que aquele momento precisava. Sentei de frente para ela, com os olhos na porta, visando interromper qualquer interferência externa. Liguei o celular para captar o relato e assim começamos a nossa conversa.

 

No começo, Raquel, estava visivelmente desconfortável com a situação, era a primeira vez que ela contava a sua história para fazer parte de um projeto visível como o website Elas. As perguntas começaram a ser feitas, a intimidade dela começou a ser exposta, no começo suas respostas estavam mais condicionadas ao fato em si do que as emoções que ela vivenciou.

 

Durante o decorrer do processo fomos interrompidas uma vez, mas não prejudicou o andamento da conversa, apenas fizemos uma breve pausa. Ao retomar a contagem dos fatos, Raquel relata a ajuda que teve dos amigos durante os momentos mais difíceis do namoro. Nesse momento é possível notar os olhos molhados da personagem, e a falta de contato visual com quem a estava entrevistando. Durante esse período curto de tempo foi possível perceber que os amigos ocupam uma parte importante na vida dela.

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