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Infância Perdida

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Já era noite de sábado quando Joana (nome fictício) escuta um barulho em sua porta, levanta de sua cama de vai ver o que se passa. Era seu companheiro, chegando bêbado. Ele passou a noite em um bar com os amigos. Joana vai tentar ajudá-lo a abrir a porta e foi aí que aconteceu a primeira agressão que mudaria a vida da garota.

 

O começo desta narrativa teve início há 7 anos, quando a menina tinha apenas 12 de idade e conheceu o seu agressor, que era auxiliar de carpinteiro. O homem não era um dos estudantes da escola, tampouco da mesma idade da jovem. Eles trocavam olhares na rua, quando Joana saia da escola e caminhava para casa.

 

Aos 20 anos, José (nome fictício), não se acanhou com a pouca idade da menina. A diferença de 8 anos não foi um impedimento para as investidas do rapaz, e Joana, no começo de sua adolescência, mudou de vida. A realidade humilde foi um dos fatores decisivos para esse envolvimento. “A gente trabalhava muito para poder sustentar a casa e tudo, eu achei que saindo de casa seria mais fácil pra mim”, explica Joana.

Um crime com consentimento

Uma menina de 12 anos acabara de ser agredida pelo seu companheiro e abusador. Como alguém tão jovem reagiria a um ato desta natureza? Fugindo, se escondendo ou fingindo que 

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A reviravolta na vida de Joana começou aos 17 anos. Ela esperou o agressor sair de casa e fez as malas. “Eu saí de casa com a roupa do corpo, e meus filhos com a roupa do corpo também, e algumas massas de mingau.”, conta.

“Eu saí de casa com a roupa do corpo, e meus filhos com a roupa do corpo também, e algumas massas de mingau.”

 

Depois dessa decisão, a mulher correu para perto da família, buscando apoio, afeto e compreensão. O agressor, no entanto, não permitiu que esse momento de paz reinasse na vida da ex-companheira.

 

Em um dia, como outro qualquer, Joana estava acabando os seus afazeres, para ir trabalhar como faxineira. Foi quando seu ex-companheiro apareceu de forma brusca para ir ao seu encontro. De imediato a adolescente não imaginava que a intenção do homem era acabar com a sua vida.

 

A medida que se aproximava, a vítima notou que ele estava com uma faca, e foi aí que Joana percebeu a real intenção do agressor. Neste momento de nervos à flor da pele, ela apenas disse “pode me matar que para você eu não volto mais”.

 

O agressor não conseguiu cumprir o seu objetivo porque os irmãos e a mãe da vítima chegaram em casa para impedir que a tragédia se concretizasse. Até então a família dela não queria crer que a violência era real: “Eles viram aquele ato, que foi onde eles acreditavam em mim”.

 

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Pego em flagrante o homem ainda tentou se justificar para a família de Joana, em uma tentativa de culpabilizar a ex companheira, dizendo frases como: “eu sempre fiz tudo por ela”, buscando enfatizar que, na visão dele, Joana não “valorizava” a pessoa que ele era. Mesmo depois dois anos, o olhar 

 

 

nada tinha acontecido… em uma tentativa de superar aquele fato, Joana, resolve fingir. Ela acreditava que aquela atitude era causada pela bebida alcoólica e que não iria mais se repetir.

A partir disso, Joana se tornaria mais uma na lista de milhares de brasileiras vítimas de violência doméstica. “Mais ou menos uns 15 dias [depois da primeira agressão] aconteceu outra vez, aí se tornou um hábito, todo final de semana bebia, todo final de semana me agredia.”, comenta Joana com uma voz hesitante.

“Mais ou menos uns 15 dias [depois da primeira agressão] aconteceu outra vez, aí se tornou um hábito, todo final de semana bebia, todo final de semana me agredia.”

 

Ao longo de dois anos o padrão do agressor foi mantido: a violência só ocorria quando ele estava bêbado. Depois deste tempo ele começou a desferir golpes na esposa quando estava sóbrio. Com isto a única justificativa que Joana se apegava tinha ido por “água abaixo”, antes deste fato ela ainda acreditava que a violência era ocasionada pelo consumo de álcool.

 

Em muitos casos o agressor pede desculpas a esposa/namorada após o ato, com declarações e juras de amor. Com Joana não foi diferente:“Quando era no outro dia [depois da agressão] e eu ia falar [da violência] e ele dizia ‘desculpa, eu te amo, eu gosto de você’ e por isso ficava.”, conta a vítima.

 

As coisas ficaram mais complicadas quando as crianças começaram a crescer: Joana teve dois filhos com José. O menino, que era o mais velho dos dois, chegou a presenciar as agressões que o pai cometia. Foram cinco anos de violência, medo,  angústia, dor e sofrimento.

 

Em todo esse tempo de vida juntos, morando sob o mesmo teto, Joana não perdeu o contato que tinha com a sua família. Sempre que possível os visitava, mas ninguém percebia a violência que a menina estava sofrendo. Ela chegou a contar a situação para seus parentes mas ninguém acreditava nas palavras dela.

 

“Ele [agressor] se fazia de vítima para a minha família e era um amor de pessoa, só que pra mim não era, eu sabia o que eu estava sentindo, eu sabia o que eu passava”

 

Joana fez cerca de 5 boletins de ocorrência, chegava com marcas na delegacia e até chegou a fazer um exame de corpo de delito, e tudo isso escondido do ex-companheiro. Mas no caso de Joana, a justiça falhou com ela. Mesmo depois dos exames que comprovaram a violência, apenas algumas medidas protetivas foram tomadas. “Por que [a justiça] diz assim ‘ah ele vai ficar 500 metros longe de você’, mas a lei fala uma coisa e o ser humano age de maneira diferente. Se eu fosse depender da lei, hoje talvez eu não tivesse contando essa história”.

 

descrente ainda estampa o rosto enquanto conta das palavras do ex companheiro.

 

Para fugir das garras do agressor, a vítima decidiu mudar de casa, para um endereço desconhecido até pela família dele. Entrou com um processo na justiça para que não tivesse que dividir a guarda dos seus dois filhos com José. Até o dia desta entrevista Joana não aceitou receber um centavo de pensão do pai dos filhos dela. Atualmente o agressor não mantém nenhum contato com a vítima e nem com nenhuma das crianças.

 

Depois de viver momentos de terror e desespero, Joana não confiava mais nos homens. O trauma sofrido por esta mulher fez com que ela pensasse que todas as pessoas com quem se relacionasse seriam agressores, iam bater nela como o ex-companheiro fez.

 

Alguns meses passaram, as feridas da alma foram se curando, as memórias daqueles anos estavam começando a dar lugar para um novo olhar sobre o mundo. Junto com essa nova perspectiva de vida, Joana decidiu dar uma chance para o amor, “Hoje eu vivo com uma pessoa que eu posso dizer que eu tenho um esposo, um marido, um companheiro.”, comenta, com um certo brilho no olhar.

 

De acordo com uma pesquisa feita de 2013 a 2015, Joana enquadra-se no terceiro motivo “Desejo de assegurar estabilidade financeira através do casamento”. Segundo o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, quando Joana começou a morar com José, não era mais uma criança. De acordo com a Lei 8.069, que entrou em vigor nos anos 1990 “considera criança a pessoa até 12 anos de

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idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2o)”. É necessário ressaltar que, no código penal, o artigo 217 afirma “Aquele que mantiver relação sexual ou praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos incorrerá na prática do crime de estupro, sujeitando-se à penalidade de oito a quinze anos de reclusão, independente de ter agido com culpa ou dolo.”

 

Muitas vezes a responsabilização desse crime encontra um obstáculo: os pais. A justiça pode ser mais branda se a relação entre o menor de 14 anos com uma pessoa acima dos 18 anos, for aprovada pelos familiares. No caso de Joana, a justiça não foi acionada, e a menina, que, na época, não era permitida por lei a viver maritalmente, começou a morar com José.

 

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Aos 12 anos, Joana, e José, 20, começaram a viver sob o mesmo teto. A menina teve responsabilidades de um adulto, cuidando da casa, fazendo comida, e mantendo relações sexuais com o agressor. Em um “piscar de olhos” a vida de Joana mudou.

 

A convivência de José e a família da menina era ótima. Na frente dos familiares o homem era o típico “príncipe encantado” que as animações infantis retratam: gentil, amoroso, atencioso e sempre muito simpático. Esse é um traço comum nos agressores.

“Eu fui abrir a porta [da casa] para ele, que tinha saído para beber, e na hora que ele me viu me deu um tapa no rosto.”

 

Nos dois primeiro meses de união, a menina teve uma experiência parecida com a de seus familiares, mas às agressões logo começaram. E o homem dos contos de fadas começou a se desfazer. O primeiro ato de violência aconteceu na porta da casa onde eles moravam “Eu fui abrir a porta [da casa] para ele, que tinha saído para beber, e na hora que ele me viu me deu um tapa no rosto.”, conta.

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